Editorial: O topless de Kate Middleton e o direito de (des)informar

Do ponto de vista jurídico, o jornalista tem o direito de informar, não a obrigação. Cabe a ele decidir o que publicar. Mas há outros três direitos intimamente ligados ao direito de informar: o direito à privacidade, o direito à segurança, e à liberdade de expressão.

Essa semana tivemos três casos interessantes que mostram como há uma tensão entre esses direitos: um filme supostamente americano que gerou protestos e violência contra alvos americanos no mundo árabe; o principal jornal americano ‘escondendo’ a foto do embaixador morto em uma página interna de seu site; e uma futura rainha sendo fotografada fazendo topless em uma praia particular na França.

Comecemos pelo fim:

Ela estava em uma praia particular, logo o fotógrafo não tem direito de entrar lá e tirar fotos suas sem sua autorização (exceto se for algo de interesse público). Mas esse não é o ponto relevante aqui: praias – ao contrário de um quarto em um hotel em Las Vegas – são ambientes abertos e ela sabia do risco de algum fotógrafo, de uma área pública (ou particular pertencente a outrem), tirar fotos suas. O fotografo apenas aproveitou-se de seu descuido em uma área que, embora particular, estava exposta.

Mas o fato de ele ter o direito de ter tirado tais fotos não quer dizer que ele tenha a obrigação de publicá-las (ou deixar de publicá-las). A questão é se tais fotos têm interesse jornalístico ou se existem apenas para saciar nossa curiosidade mórbida. Afinal, qual é a relevância para a sociedade saber se o seios da futura rainha são nesse ou naquele formato, grandes ou pequenos, verdes ou azuis?

Essa é uma questão de certa forma parecida com a enfrentada pelo editor do New York Times ao decidir publicar a foto do embaixador morto.

Aqui a foto claramente têm relevância jornalística: o representante da maior potência mundial na Líbia foi morto em um protesto. Mas a memória do morto – e a privacidade de sua família – também precisam ser respeitadas.

No caso do embaixador, há um outro complicador: a chance da foto ser usada para instigar violência dos dois lados é muito grande.

A solução adotada pelo NYT foi oposta à do tabloide francês: publicar uma foto menos chamativa (no caso, menos violenta) e sem chamar a atenção. Se foi bom senso, filosofias diferentes ou falta de coragem, vai ser um debate sem fim.

O fato é que, em ambos os casos, as publicações que decidiram não divulgar as fotos acabaram perdendo em termos de audiência. Isso porque as fotos foram divulgadas por seus competidores, todo mundo sabe disso, e elas são facilmente localizadas na Internet.

E aqui entra a terceira controvérsia: o tal filme ‘contra’ os muçulmanos que gerou a onda de protestos que causou a morte do embaixador.

O fotografo tem o direito de tirar fotos e o cineasta de filmar. E eles têm o direito de publicar. Isso faz parte de sua liberdade de expressão e liberdade jornalística. Nós, audiência, temos o direito de ler, ver, assistir ou ignorar aquilo que não nos interessa.  Ou seja, temos o direito à informação, mas não a obrigação de consumí-la.

Mas há dois pontos importantes aqui: primeiro, só podemos exercer o direito de nos informarmos se o outro lado exerce seu direito de informar ou se expressar. Mas como ele não tem a obrigação de fazê-lo, nosso direito é dependente da vontade alheia. Se ninguém publica a foto, eu não conseguirei vê-la, ainda que eu tenha tal direito se ela for publicada. Logo, quando o jornalista ou editor está decidindo o que publicar, ele também está decidindo o que podemos consumir.

E é aí que a internet muda as regras do jogo: se ele tomar uma decisão diferente da de outros jornalistas, essa informação ainda será acessível a qualquer um com um computador. Logo, criamos um sistema em que – para o bem e para o mal – há um incentivo à divulgação.

O segundo ponto é que ele pode publicar, mas ele não pode adulterar, que é o que aconteceu com o filme. Se o editor muda o artigo de um articulista ou o diretor muda as falas do filme, eles assumem a responsabilidade legal pelo que foi feito. Se o articulista, os atores (ou a duquesa acima) se sentirem ofendidos com a manipulação do texto, filme ou foto, podem processar quem fez as modificações.

Mas isso não resolve a outra parte  da equação: não há mecanismos jurídicos que possibilitem o público que consumiu essa ‘informação incorreta’ a ser ressarcido. Não há como pedir indenização por ter visto uma foto adulterada porque o leitor não tem como mostrar que sofreu uma perda (e tampouco pode processar por ter consumido uma informação irrelevante). O máximo que ele pode fazer é não comprar mais aquele jornal ou assistir aquele canal.