Universitários procuram mais cursos a noite do que durante o dia

Em véspera de provas muito difíceis, Yan Araújo Fernandes costumava dormir perto das 6h da manhã. Tinha de estar no trabalho às 9h, mas sabia que o desempenho acadêmico seria prejudicado caso não encontrasse tempo para suas tarefas. Escolhia, então, deixar de dormir. “No final do curso, eu ainda tinha o trabalho de conclusão. Nem sei quantas vezes deixei de ir à aula ou quantas noites passei em claro para escrever”, diz. Aos 22 anos, formado em Relações Públicas pela PUC de Minas, o assessor de imprensa trabalhou desde o 2º ano de faculdade. Ele faz parte da maioria de jovens e adultos que, durante os anos de graduação, precisam conciliar trabalho e estudo.

De acordo com dados de 2010 divulgados pelo Ministério da Educação (MEC), dos quase 5,5 milhões de estudantes do ensino superior brasileiro, 63% frequentam as aulas à noite. Trabalhar para bancar a graduação está entre os principais motivos apontados por especialistas para explicar o aumento do fluxo de alunos no período noturno das faculdades. A realidade se confirma dentro dos campi: enquanto que, na rede pública, apenas 37% dos universitários têm aulas à noite, esse número salta para 72% na rede privada.

Segundo a professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás (UFG) Lúcia Maria de Assis, em tese, o público-alvo das universidades – de 18 a 24 anos – deveria tender ao ensino diurno, adiando sua entrada no mercado. No entanto, questões socioeconômicas alteram o panorama. “Nem todos os jovens com idade de graduação podem estudar sem conciliar com o trabalho, a não ser que consiga uma vaga pública com bolsa-permanência, mas o sistema público não dá conta da demanda. Ele só atende de 20% a 25% das matrículas”, diz. Para quem busca o diploma, a alternativa acaba sendo o ensino privado- e um boleto bancário para pagar no final do mês.

É o caso de Fernandes. O mineiro começou a trabalhar no início do 3º período. “Consegui meu primeiro estágio em 2009. Fiz quatro estágios durante os quatro anos de faculdade. Fui efetivado no último, e é onde estou até hoje. Mas comecei a trabalhar por necessidade, pois tinha que pagar a faculdade, a condução. Foi quando pensei em fazer estágio, que seria uma forma de ter vivência no mercado e ainda ganhar dinheiro”, lembra. Em artigo sobre o ensino superior no Brasil, os professores João Ferreira de Oliveira, da UFG, e Mariluce Bittar, da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), destacam o processo como uma forma de democratização do acesso à universidade. No texto, apontam que “o ensino noturno vem historicamente atendendo aos estudantes trabalhadores pertencentes aos segmentos menos favorecidos da sociedade”.

Aulas à noite não devem apresentar diferenças em relação ao diurno, diz especialista
A segunda jornada de Fernandes começava logo após o trabalho, quando era necessário fazer um trajeto de uma hora e meia até a faculdade. Não raro, o jovem chegava atrasado. “Trabalhava oito horas por dia, depois tinha aula. Era bem difícil chegar meia-noite em casa, cansadíssimo, e ainda ter de estudar”, diz. Mesmo com as dificuldades relatadas por muitos alunos, a professora Lúcia é cautelosa ao avaliar o desempenho dos estudantes de turmas diurnas e noturnas. “Não dá para dizer que um é melhor do que o outro. Mas, do ponto de vista físico, sem entrar no mérito de infraestrutura, há um diferencial de predisposição. O aluno que chega à universidade pela manhã vem descansado, tem maior disponibilidade física e emocional”, compara. Há, ainda, corriqueiros problemas de carga horária: se durante o dia os horários costumam ser cumpridos com mais rigor, à noite, em muitos casos o professor é pressionado para que a aula termine antes.

Ainda assim, a especialista diz acreditar que o ensino noturno não perde em qualidade. “Se o aluno está cansado ou pouco disposto fisicamente, há outro elemento que pode ser importante, que é o fato de ele estar buscando capacitação, uma melhora de condições. Essa é uma motivação intrínseca”, diz. Lúcia afirma que tal condição pode tornar a experiência mais rica. “Dou aulas nos dois turnos, e não percebo qualidade menor nos trabalhos do noturno em relação aos do diurno. Eles trazem elementos e experiências diferentes”, diz. Fernandes concorda. O assessor acredita que, em alguns momentos, o cansaço pode ter prejudicado seu desempenho, mas avalia a experiência como positiva. “O fato de trabalhar para estudar me dava mais força para não desistir. Se eu desistisse, estaria perdendo o meu dinheiro, as minhas noites. Seria como se jogasse tudo pela janela”, afirma.

Ainda que muitos alunos reivindiquem tratamentos diferentes, professores acreditam que não se deve diferenciar o dia da noite. Lúcia explica que é preciso, contudo, dosar melhor o conteúdo ministrado. “É possível tornar a aula mais dialógica, mais reflexiva, buscar a participação do aluno a partir de metodologias mais adequadas. O que não se pode fazer é promover um ensino diferenciado do ponto de vista acadêmico, sob o risco de qualificar de forma diferenciada o ensino noturno. Não dá para cair nessa armadilha”, diz.

Na visão da professora, é preciso ter mais cuidado na hora de escolher o material a ser utilizado em sala de aula. “De fato, não dá para gerar desmotivação pelo excesso de carga. Se o professor propõe 30 textos ao aluno e ele não consegue ler cinco, vai acabar lendo nenhum”, diz. Em artigo, os professores Mariluce e Oliveira reforçam a visão de Lúcia e apontam que o cerne da questão estaria nas políticas públicas, “buscando não só para expandir vagas nas IES (instituições de ensino superior) públicas, mas ofertar ensino de qualidade.” A expansão do ensino público – também com oferta noturna -, afirma Lúcia, permitiria que alunos buscassem espaço no mercado apenas quando julgassem necessário e em cargos relacionados à sua formação.