Água Branca! Obrigação da Câmara votar projeto em convocação extraordinária e realizar sessões

O Prefeito de Água Branca requereu a convocação da Câmara Municipal a se reunir extraordinariamente para decidir a respeito de projetos de lei considerados importantes, ao povo da cidade. Porém, o presidente da Câmara se omitiu, deixando de convocar os vereadores para apreciar os projetos.

Consulta-nos o Prefeito de cidade do interior do Estado do Piauí, Água Branca, distante 96 km ao sul da capital Teresina, sobre interessante questão de direito constitucional.

É que desde que a nova mesa diretora assumiu a presidência da Câmara de Vereados de Água Branca, já se passaram 6 meses e só foram realizadas somente 8 sessões parlamentares de um total de 17 sessões que deveria ter ocorrido.

Sessões que acontecerem no ano de 2016:

1 – Dia 25 de fevereiro de 2016.

2 – Dia 07 de Março de 2016.

3 – Dia 17 de Março de 2016.

4 – Dia 31 de Março de 2016.

5 – Dia 07 de abril de 2016.

6 – Dia 28 de abril de 2016.

7 – Dia 05 de maio de 2016.

8 – Dia 02 de Junho de 2016.

Em quanto isso quem perde é o povo de Água Branca, pois vários projetos de leis enviados pelo executivo da cidade estão parados em gavetas, deixando de serem votados e aprovados para beneficio da população.

Esta justificativa de aprovação de Projetos de Leis por si só já demonstra a urgência e a gravidade do assunto que merece deliberação da Câmara de Vereadores.

Ocorre, porém, que por omissão ilícita e inválida do Presidente da Câmara de Vereadores, a quem compete à convocação de sessões extraordinárias (conf. art. 09, inciso II, alínea “a” do Regimento Interno), NÃO SE CONVOCOU ATÉ O PRESENTE MOMENTO, ato que revela descumprimento de tudo que existe de bom e valioso no regime jurídico pátrio, causando graves danos à Administração Pública Municipal, inviabilizando a prática de atitudes executivas emergenciais e, de forma direta, criando malefícios indevidos à população local, que deixa de ver a atuação do Município, via Executivo, em setores vitais da comunidade, tudo em razão de não se poder efetuar gastos necessários porque não se tem a deliberação da Câmara quanto aos projetos de lei enviados a casa do legislativo de Água Branca – PI.

Convém dizer ser fora de qualquer dúvida que cabe ao Prefeito, dentre outros legitimados, convocar a Câmara para deliberar em sessão extraordinária, quando aquele a entender necessária e quando o tema a ser objeto de deliberação for urgente e de interesse público relevante (art. 32, inciso VI, ambos da Lei Orgânica, c/c art. 32, “caput”, do Regimento Interno), cabendo, evidentemente, ao Presidente do Legislativo Municipal, comunicar aos Vereadores, com antecedência, a convocação de sessões extraordinárias, SOB PENA DE RESPONSABILIDADE (art. 09, inciso II, alínea “a”, do Regimento Interno).

O que se pretende sugerir, pois, é o ajuizamento de mandado de segurança, buscando expedição de ordem, via liminar, que venha a compelir aquela autoridade a adotar a única conduta admitida para o caso em destaque, qual seja, a convocação da necessária e inadiável sessões extraordinárias requeridas pelo Prefeito local. É simples o pedido, sendo também singelo o direito líquido e certo a amparar a pretensão.

Por outro lado, não devem restar dúvidas quanto à legitimidade da utilização do “mandamus” para combater a omissão apontada. Prima facie”, vislumbrar-se-ia que a questão submetida ao exame do Judiciário seria de caráter meramente político ou “interna corporis”, o qual fugiria da esfera jurisdicional. Todavia, assim evidentemente não o é, pois os vícios jurídicos perpetrados pelo Presidente do Legislativo, que serão amplamente demonstrados a seguir, não podem escapar à apreciação do Poder Judiciário, consoante o princípio da jurisdição única ou do amplo acesso à jurisdição (CF, art. 5º, inciso XXXV)(1). 

A LIQUIDEZ E A CERTEZA DO DIREITO INVOCADO

Pois bem, a omissão do Presidente da Câmara, consistente em não ter convocado até o presente momento a necessária sessão extraordinária da Câmara para deliberar sobre projetos de grande relevância ao povo de Água Branca, requeridos pelo Prefeito, em tudo e por tudo está a revelar desatenção a princípios e regras jurídicas que devem ser preservados.

Com efeito, a omissão revelada acaba por impedir que o Executivo local venha a implementar projetos de governo de real utilidade pública (para tanto chegar, basta atentar à justificativa dos Projetos de Lei), inviabilizando, de forma direta e violenta, o incremento das atividades que vinham sendo desenvolvidas pelo Governo Municipal, com o que se está a violar, de forma absolutamente séria, o princípio jurídico da INDEPENDÊNCIA ENTRE OS PODERES, tido e havido como valor jurídico fundamental pela Constituição atual (art. 2º) e pela própria Lei Orgânica Municipal, independência esta que não pode deixar de ser visualizada em seu aspecto FUNCIONAL, que aponta para a necessidade de uma INTERDEPENDÊNCIA INSTITUCIONAL, ou seja, um complexo regime de colaboração de poderes.

Segundo tem sustentado a melhor doutrina, “o exercício dos poderes municipais decorre do Texto Constitucional. Dessarte, se o Executivo não cumpre sua missão constitucional, a Câmara Municipal pode e deve responsabilizá-lo. E, por outro lado, se o Legislativo Municipal for omisso? Nesta hipótese, como advertimos, se por qualquer motivo não forrado em lei, deixar a Câmara de cumprir suas funções em prol do Município, assegura-se ao Prefeito o direito de, quer através de Mandado de Segurança, quer através de Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão, ter os serviços legislativos em funcionamento regular” (JOSÉ NILO DE CASTRO, “Direito Municipal Positivo”, Ed. Del Rey, 1991, p. 310, sem destaque no original).

Por amor à brevidade e à prestação jurisdicional rápida e eficaz, cita-se apenas mais uma lição a respeito do tema, agora do insuspeito e notável HELY LOPES MEIRELLES (“Direito Municipal Positivo”, Ed. Malheiros, 6ª ed., 1993, p. 557), que espanca toda e qualquer dúvida sobre a legitimidade da conduta do Prefeito que convoca sessão extraordinária, “in verbis”:

“As leis orgânicas dos Municípios normalmente atribuem competência ao prefeito para a convocação extraordinária da Câmara, mas, mesmo que omitam essa atribuição, pode o Chefe do Executivo exercê-la para a votação de matéria urgente e de interesse público. Diante da nova sistemática constitucional do processo legislativo, que permite ao Chefe do Executivo enviar projetos de lei com prazo de urgência para sua aprovação, alguns intérpretes têm entendido que o prefeito só poderá convocar extraordinariamente a Câmara durante o seu recesso.

“Não pensamos assim, pois a convocação pode destinar-se a antecipar sessões ordinárias muito espaçadas ? o que é comum nos pequenos Municípios ? ou a deliberar sobre atos ou contratos sujeitos a autorização ou aprovação da Câmara, mas não sob a forma de lei. Em tais casos, se a matéria é urgente e de interesse público, cabe ao prefeito convocar sessões extraordinárias para sua votação, independentemente das sessões ordinárias regimentais e de estar ou não a Câmara em funcionamento ou em recesso”.

Tem-se, portanto, que nada está justificar a omissão do Presidente da Câmara, pois cabe ao Prefeito convocar sessão extraordinária e cabe ao Presidente da Câmara atender à requisição, revelando os Projetos de Leis, como facilmente se infere da leitura de sua justificativa, tema urgente e de interesse público relevante, cabendo à autoridade coatora, sob pena de violação do princípio jurídico da independência dos Poderes, comunicar tal fato aos demais Vereadores, designando-se de imediato sessão da Câmara para deliberar sobre os assuntos. A não ser por este caminho, a omissão do Legislativo colocará a perder toda e qualquer iniciativa do Governo Municipal, que ficará inviabilizado em razão da ausência de simples deliberação sobre suplementação orçamentária. Por que já se agiu rapidamente no passado recente quando se votou outros Projetos de Leis e os mesmos não estão a ocorrer presentemente? Será possível que eventual pretensão eleitoral de algum Edil está a impedir deliberação sobre algo que é de manifesto interesse público?

O grave disso tudo é que se o Prefeito não der vazão a condutas que signifiquem o atendimento às questões de interesse público, deixando de colocar em prática aquilo que é de sua competência, negligenciando na defesa dos interesses do Município. Mais se justifica, portanto, a impetração da segurança sugerida.

Também não se deve olvidar de outra séria violação a princípio jurídico, a saber: a omissão revelada desatende ao princípio constitucional implícito da PROPORCIONALIDADE ou da RAZOABILIDADE (que tem sua existência confirmada pelos princípios do devido processo legal e da isonomia), que exsurge, tal como se sabe, como limite à edição de toda e qualquer norma ou decisão governamental ARBITRÁRIA, IRRAZOÁVEL ou IRRACIONAL, impedindo, em suma, “que as discriminações legislativas e os atos decisórios dos agentes estatais sejam fonte de injustiças e de perplexidades atentatórias ao paradigma de coerência exigido nas deliberações do Estado e de seus delegados, aprumando-os ao padrão aceitável de moralidade, de eficiência e racionalidade” (CARLOS ROBERTO DE SIQUEIRA CASTRO, “O Devido Processo Legal e a Razoabilidade das Leis na Nova Constituição do Brasil”, Ed. Forense, 1989, p. 159).

Daí porque não se vislumbra nenhuma razão de ordem jurídica, razoável e proporcional, que leve à convalidação da omissão da autoridade coatora. O princípio da proporcionalidade, como se vê, serve de abrigo à pretensão do impetrante, até porque, ainda segundo a bem urdida lição de CARLOS ROBERTO DE SIQUEIRA CASTRO, referida previsão jurídica visa justamente impedir “o abuso do poder normativo governamental, isto em todas as suas exteriorizações, de maneira a repelir os males da ?irrazoabilidade? e da ?irracionalidade?, ou seja, do destempero das instituições governativas, de que não está livre a atividade de criação ou de concreção das regras jurídicas nas gigantescas burocracias contemporâneas” (ob. cit., p. 160). Acredita-se, sinceramente, que se está diante de norma jurídica (da espécie princípio jurídico) que veda e torna ilegítima a omissão da autoridade coatora, que deixa de atuar com a retidão necessária, revelando arbitrariedade e abusividade quando se omite a adotar conduta que é de sua exclusiva competência.

O que se pleiteia, pois, é algo simples e elementar: convocada sessão extraordinária pelo Prefeito para deliberar sobre assuntos urgentes e de interesse público, não pode o Presidente do Legislativo omitir-se quanto à efetiva designação da mesma. Se tal ocorrer, tal como se está a relatar, deve e pode o Judiciário expedir ordem tão somente para que seja designada e convocada a Câmara para deliberação extraordinária encaminhada pelo Executivo, tudo sob pena de desatenção grave à necessária autonomia e independência entre os Poderes locais.

A concessão da liminar a ser requerida visa dar respaldo a este reclamo, que em tudo e por tudo se afigura justo e legítimo. 

DA NECESSIDADE DA LIMINAR E DA IRREPARABILIDADE DO DANO

A irreparabilidade do dano, efetiva e objetivamente verificável, decorre do fato de o consulente, via Executivo local, estar sendo impedido de colocar em prática projetos de governo.

No caso em tela estão presentes tanto a relevância do fundamento quanto o periculum in mora. Aquela, representada pela alegação de que o ato coator (consistente na omissão da autoridade coatora em convocar sessão extraordinária da Câmara) viola direito líquido e certo do consulente, assegurado pela Constituição da República e pela Lei Orgânica Municipal (que albergam expressamente o princípio da independência entre os Poderes e de forma implícita o princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade, além da necessária competência do Prefeito para convocar a sessão extraordinária e a competência do Presidente da Câmara para comunicar tal fato aos demais Vereadores), tal como exposto anteriormente; este, pela necessidade de o Judiciário determinar a efetiva designação de data para realização da necessária sessão extraordinária da Câmara, em prazo curto, sob pena de ficar comprometido aquilo que veio revelado na justificativa de aprovação de importantes projetos de leio encaminhados ao poder legislativo local. Mais se reforça o periculum in mora quando se constata que a autoridade coatora tem deixado de cumprir sua missão constitucional e legal, VÍCIO GRAVE QUE JÁ ESTÁ A PERDURAR!

Ainda segundo a lição de JOSÉ NILO DE CASTRO (ob. cit., p. 52), “infere-se da legislação e da ordem jurídica falecer, por completo, à Câmara Municipal e, notadamente, a seus Vereadores em particular, qualquer manifestação de renúncia ao cumprimento da lei. Não há, na versão do Direito Púbico, como negociar o conteúdo e os termos da lei e, especialmente, da Lei Maior. Porquanto, não cumprindo a Constituição, não lhe guardando o conteúdo nem lhe respeitando o comando normativo explícito (…), os Vereadores, além de, inconsciente e involuntariamente, ou não, estarem se revelando indignos do mandato popular, em nada engrandecem o Município que juraram enaltecer, no dia de sua posse”. Eis aí mais uma notável peroração em tudo e por tudo aplicável à hipótese dos autos.

Caso a liminar a ser requerida seja concedida, nenhum prejuízo advirá ao Poder Público, dado que, aprovando ou rejeitando os Projetos de Leis, estará a Câmara apenas cumprindo sua função constitucional, algo que até o presente momento não se colocou em prática e por isto deve merecer correção judicial rápida e enérgica.

Se porventura não for concedida a liminar, o que não se espera, prejuízos irreparáveis serão acarretados ao consulente, porque se deixará de ver instalada sessão extraordinária para apreciar tema de relevo, algo que já se fez no passado recente sem nenhum trauma e sem nenhuma delonga. Por que não se determinar, agora judicialmente, que o mesmo caminho de outrora seja novamente trilhado ?

Por derradeiro, não seria demasiado lembrar, ainda outra vez, do magistério dos doutos, que afirmam, em uníssona voz, que “a idéia de efetividade, conquanto de desenvolvimento relativamente recente, traduz a mais notável preocupação do constitucionalismo nos últimos tempos. Ligada ao fenômeno da juridicização da Constituição, e ao reconhecimento e incremento de sua força normativa, a efetividade merece capítulo obrigatório na interpretação constitucional. OS GRANDES AUTORES DA ATUALIDADE REFEREM-SE À NECESSIDADE DE DAR PREFERÊNCIA, NOS PROBLEMAS CONSTITUCIONAIS, AOS PONTOS DE VISTA QUE LEVEM AS NORMAS A OBTER A MÁXIMA EFICÁCIA ANTE AS CIRCUNSTÂNCIAS DE CADA CASO” (LUÍS ROBERTO BARROSO, “Interpretação e Aplicação da Constituição”, Saraiva, 1996, p. 218, sem destaque no original). Permitir que a omissão revelada continue a render frutos indesejados, em prejuízo direto aos interesses da comunidade local, será desatender a esta noção jurídica essencial, que revela a necessidade de dar uma eficácia direta e substancial ao princípio jurídico da independência entre os Poderes.

CONCLUSÃO

Sugere-se, pois, diante de tudo que restou exposto, a impetração de mandado de segurança, requerendo-se liminar, para determinar ao Presidente da Câmara, via mandado judicial, que seja designada sessão extraordinária para deliberar sobre os conteúdos dos Projetos de Leis que estão sendo deixado de lado sem a devia aprovação à apreciação do legislativo.