2024 foi o ano em que o desejo feminino dominou a cultura pop

Embora o desejo feminino não seja novidade e certamente não seja uma tendência, 2024 viu a libido feminina tomar as rédeas na cultura popular. Parece apropriado que o ano se encerre — culturalmente falando, pelo menos — com o lançamento de “Babygirl”.

O filme, que chega aos cinemas brasileiros no dia 9 de janeiro de 2025, traz Nicole Kidman como uma poderosa empresária que se torna sexualmente submissa a um de seus estagiários. “É contado por uma mulher, através de seu olhar”, disse Kidman em uma coletiva de imprensa durante a exibição no Festival de Veneza em agosto. “Isso, para mim, é o que o tornou tão único e libertador”.

“Babygirl” é dirigido pela cineasta holandesa Halina Reijn, que na mesma coletiva de imprensa disse esperar que o filme abordasse “a enorme lacuna do orgasmo” que existe entre homens e mulheres. Embora tenha havido muitas expressões da sexualidade feminina ao longo da história — dos livros banidos da falecida romancista irlandesa Edna O”Brien aos vocais orgásmicos de Jane Birkin em “Je t”aime moi non plus” de 1967 e as letras impactantes da rapper Cardi B em “WAP” — estas foram frequentemente a exceção, e não a regra.

Mas os últimos 12 meses viram exemplos explícitos do desejo feminino emergirem simultaneamente para o centro da cultura pop. Do cinema à TV, música e literatura, o olhar feminino foi promovido de forma integral sem vergonha, segredo ou eufemismo.

O som do desejo

Uma cantora cuja popularidade disparou este ano é Chappell Roan. Em janeiro, seus ouvintes mensais no Spotify giravam em torno de 1 milhão — agora são pouco mais de 43 milhões. Uma parte fundamental do sucesso de Roan tem sido sua representação autêntica de relacionamentos queer, salpicando suas letras com referências sexuais como “Ouvi dizer que você gosta de mágica/Tenho uma Wand e um Rabbit” — uma referência a dois populares estilos de vibradores.

A princesa do pop Sabrina Carpenter também não mediu palavras. Quando lançou seu álbum “Short n” Sweet” no Instagram em agosto, ele foi acompanhado pela legenda “quatro dias de ovulação” — um sentimento que se encaixava nas letras hipersexuais do disco como “venha cavalgar em mim/Quero dizer, camaradagem” e o direto “Estou tão f**a excitada”. O álbum foi direto para o topo da parada Billboard 200.

O verão de 2024 nos Estados Unidos foi embalado por “Nasty” de Tinashe, em que a cantora repetidamente pede para alguém “corresponder à sua safadeza”. Enquanto isso, em setembro, FKA Twigs lançou “Eusexua”, um single de seu próximo álbum de mesmo nome. No início do ano, durante uma entrevista à British Vogue, a musicista explicou que criou a palavra como uma forma de descrever a “sensação de estar tão eufórica” que poderia “transcender a forma humana”.

Mulheres sussurrando (e gritando) palavras doces não se limitaram à música. O aplicativo de áudio erótico por assinatura Quinn foi lançado há cinco anos e diz que sua receita cresceu 440% nos últimos dois anos após uma série de celebridades, incluindo os atores Andrew Scott e Victoria Pedretti, narrarem suas histórias.

“Os talentos começaram a querer conversar conosco sobre narração”, disse Caroline Spiegel, fundadora e CEO da Quinn, em um telefonema à CNN. “Foi uma grande mudança. Não acho que isso teria acontecido antes. O desejo feminino existiu em pequenos nichos ao longo da história, mas agora está em toda parte e não está mais escondido. É definitivamente mais explícito agora”.

Isso é exatamente como Spiegel pensa que deveria ser — e está muito alinhado com os valores da Quinn: “Acreditamos que o sexo é uma parte saudável e feliz da vida, não algo que deveria ser relegado a um canto obscuro e assustador da internet”, disse ela. “O conteúdo sexual não precisa ser excessivamente gráfico e chocante, e pode ser apenas mais uma parte da sua dieta de mídia”.

O que talvez explique por que o audiolivro mais popular de 2024 (tanto nos EUA quanto globalmente), segundo o recurso anual “Wrapped” do Spotify, foi um livro de “romantasy” sobre fadas sensuais chamado “A Court of Thorns and Roses” de Sarah J. Maas. Na verdade, quatro dos 10 principais audiolivros nos EUA este ano eram romances de fantasia — três deles de Maas — rendendo à escritora o título de autora global número um do serviço de streaming.

Sedução nas telinhas

Na televisão, uma abundância de programas colocou o prazer feminino em primeiro lugar, incluindo uma adaptação do best-seller de Lisa Taddeo “Three Women”, que desvendou a complicada realidade da vida sexual de três personagens muito diferentes.

No Disney+, uma adaptação do livro “Rivals” da romancista britânica Jilly Cooper — ambientado na Inglaterra dos anos 1980 — deu destaque ao prazer feminino. Cooper há muito tempo centraliza o desejo feminino em sua escrita, mas sua visão picante ganhou nova vida este ano com ombreiras, bigodes não irônicos e machismo escancarado na tela pequena.

Em outro lugar, “Bridgerton” voltou para uma terceira temporada que gerou manchetes globais graças a uma cena de sexo inovadora entre a recém-noiva Penelope Featherington (Nicola Coughlan) e Colin Bridgerton (Luke Newton). A cena retratou a primeira vez de Penelope — e defendeu o consentimento e o respeito sem comprometer a sensualidade; durou quase seis minutos de TV e, segundo os atores, a poltrona quebrou durante as filmagens.

Viradas de página

Enquanto a sociedade nos levou a acreditar que o apetite sexual é tradicionalmente domínio dos jovens e flexíveis – para aqueles com pele viçosa e tops curtos – 2024 desafiou essa noção.

O romance “All Fours” de Miranda July é um réquiem ao desejo na pré-menopausa. Ele segue a protagonista — uma mãe casada e bem-sucedida — em uma viagem fracassada durante a qual ela se apaixona por um homem mais jovem que trabalha em uma locadora de carros. Apesar da química, o jovem casado Davey não dorme com ela, deixando a protagonista sem nome para se masturbar furiosamente sem satisfação. O romance se tornou instantaneamente um best-seller do New York Times, talvez porque deu voz e insight sobre uma fase da vida que é sub-representada e raramente discutida.

Em outra frente, a atriz Gillian Anderson editou “Want”, um portal para as mentes do que as mulheres realmente desejam, mas nem sempre se sentem capazes de dizer. As 174 entradas anônimas de fantasias sexuais são apenas uma pequena amostra das 800 submissões que Anderson recebeu de todo o mundo, variando dos devaneios mais populares (ménage à trois) aos surreais (robôs) e aos silenciosamente comoventes (ansiando por admiração de um marido frio). Anderson escreveu na introdução que esperava que o livro “iniciasse uma nova conversa sobre poder sexual”.

A ciência do prazer sexual feminino

Essa conversa — e uma maior ênfase no prazer sexual feminino — estava bem encaminhada em 2024, disse Justin Lehmiller, psicólogo social e pesquisador do Instituto Kinsey para Pesquisa em Sexo, Gênero e Reprodução da Universidade de Indiana, nos Estados Unidos. Segundo o cientista, e estudos recentes sobre masturbação feminina, o tópico da experiência sexual feminina e do autoprazer é menos tabu do que nunca.

Lehmiller apontou para o crescente mercado de brinquedos sexuais e produtos destinados a aumentar a satisfação das mulheres. “Isso mostra o quão mainstream o prazer feminino se tornou”, ele acrescentou em uma entrevista por telefone com a CNN.

Enquanto Lehmiller aponta para a liberação feminina — citando a pílula anticoncepcional, bem como os ganhos econômicos e educacionais das mulheres — como grandes mudanças de jogo quando se trata de liberdade sexual feminina, não é o quadro completo. Hoje, a psicologia e a terapia sexual são campos predominantemente ocupados por mulheres, o que mudou dramaticamente como o prazer feminino é percebido, ele disse.

“No passado, esses campos eram dominados por homens que tinham ideias muito diferentes sobre o que trazia prazer às mulheres: eles tinham muitos mal-entendidos fundamentais”, explicou Lehmiller. “Há um século, Freud era a maior voz — ele tinha muito a dizer sobre o orgasmo feminino e como as mulheres deveriam experimentar o prazer. Mas à medida que as mulheres chegaram à vanguarda do campo, elas mudaram a conversa.”

E elas não estão mais falando baixinho, entre si.

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