O Caçador

José Vitor Fontinele

Foto: DINO / DINO

Estou a muitas horas sem comer, beber e preso neste lugar terrivelmente silencioso e escuro, não fosse os barulhos produzidos pelas criaturas voadoras que aqui habitam, ao passarem em revoadas quase constantemente por mim, chegando algumas vezes a arremeter-me imprevisivelmente, e um pequeno foco de luz muito alto abaixo do qual encontro-me deitado, talvez uns vinte metros ou mais.

Em virtude disso, não consigo dar uma descrição precisa do lugar. Consigo visualizar apenas parte da rocha ao meu lado com inscrições rupestres – aparentemente datadas do paleolítico, de acordo com meu conhecimento em paleontologia, adquirido na universidade – que vai esvaindo-se conforme a claridade de um corpo luminoso – provavelmente o sol – reincidente sobre ela vai desaparecendo.

Levando em consideração esse pequeno relato, aparentemente trata-se de uma caverna. Não me lembro bem como vim parar aqui. Lembro-me apenas de estar correndo numa mata densa, acompanhado por cães que acuavam alguma coisa quando, de repente, ter tropeçado em algo – pode ter sido uma raiz – e ter recobrado a memória aqui neste lugar no qual não estou disposto a passar nem mais um segundo.

Estou com vestes bem peculiares, típicas de um caçador, além de armas: um facão na cintura e uma espingarda nas costas. Também trago comigo um cantil e uma grade semelhante a uma jaula, usada para prender algum animal de pequeno porte, como um tatu. Bom, tenho muitas evidências de que estava caçando antes do incidente, mas como vim parar aqui ainda se constitui em um mistério o qual no momento não pretendo solucioná-lo, e, sim, sair da terrível condição imposta por ele, da qual quero saída.

A desidratação já se torna bastante perceptível em meu corpo. Estou bastante debilitado, apesar de terem sido apenas, o que acho, dois dias, principalmente por causa da esmagadora ausência de água nessas supostas 48 horas, que me assola sem dor nem piedade, permitindo-me apenas manter a esperança a qual estou prestes a abandonar e ceder ao desespero desse lugar hediondo o qual tem se mostrado um poderoso algoz cuja finalidade é lavar-me de uma das formas mais terríveis, senão a mais, que um ser humano pode ser submetido antes do fim.

Tenho quer dar um jeito de sair daqui, mas realmente não sei como. Estou muito limitado a essa parte da aparente caverna, e tenho bons motivos para isso. Um deles é a escuridão desoladora que me força a permanecer abaixo dessa pequena fonte de luz que vai surgindo e alimentando o pouco de esperança que ainda resta em minha alma, e depois vai se tornando cada vez mais intensa até estagnar e regredir de maneira cautelosa, assim como surgiu, mas cruel, e não restar absolutamente nada para visualizar.

Deixo todos os objetos pesados que possam dificultar minha locomoção, com exceção da espingarda, por ser de grande utilidade. Não encontro firmeza em minhas pernas para caminhar, até tento, mas caio na terceira passada, então, arrasto-me com todo o meu fervor na direção da escuridão que tanto me atormenta a fim de encontrar uma escapatória, pelo menos que me leve a algum lugar que não seja pior que esse.

Arrasto-me até ficar exausto e não conseguir prosseguir mais. Então, paro para um breve descanso. Logo após, continuo o trabalho árduo. De repente sinto minha mão tocar algo líquido. Na imensa esperança de ser água, aprofundo meu braço até esbarrar no fundo – o que dá uma profundidade um pouco acima do antebraço -, antes de me jogar e beber até não aguentar mais.

Sinto-me demasiadamente eufórico com a descoberta, pareço ter encontrado um paraíso, porém, não consigo vislumbrar essa maravilha, esse deleite que tanto senti falta. Ah… como é maravilhoso! Estou revitalizado! Gostaria de permanecer um bom tempo aqui, mas tenho que seguir adiante, pois isso não vai me garantir sobrevivência, contudo pode me ajuda significativamente a encontrar uma saída.

Com muito cuidado vou arrastando-me pela água até chegar na outra margem – o que não demorou muito, pelo fato de não ser fundo.

Ao chegar, encho meu cantil, jogo-me no chão e, ao virar as vistas para a esquerda, fico deslumbrado com o que vejo: uma claridade, vindo de um corredor de rochas. Sem nem uma sombra de dúvida de que encontrei a saída. Levanto-me e caminho na direção do que parece ser minha salvação, e finalmente consigo sair do lugar. Aos poucos as coisas vão tomando forma, e coisas que antes me pareciam sem nenhuma importância, passei a concebê-las como indispensáveis tesouros da vida.