Durante a epidemia do coronavírus, os direitos individuais compõem um grupo de risco que requer muita atenção. No Piauí, o governador petista Wellington Dias acaba de agredi-los de forma traiçoeira, ao assinar um decreto que autoriza o Estado a invadir casas e desapropriar bens em nome do combate à doença.
Não há nada que justifique esse atentado aos direitos de privacidade e propriedade. Nada, é claro, além do oportunismo e dos vícios intelectuais de quem está acostumado a enxergar o mal em tudo que é “privado”.
Mas e as medidas de distanciamento social? Não é verdade que elas também restringem um direito essencial, o de ir e vir? É verdade. No entanto, há diferenças importantes em relação às medidas de Wellington Dias.
Primeiro, nos lugares onde é implementada, a quarentena vale para todos (excetuados os que prestam serviços essenciais). Segundo, ela restringe a circulação em espaços públicos. Finalmente, ela tem por objetivo controlar o impacto da doença, a respeito da qual ainda se sabe muito pouco, sobre o sistema de saúde de cada país.
Mesmo quem considera que a quarentena é um remédio amargo demais pelo seu impacto na economia, não questiona a sua lógica como um meio de proteger a saúde da população de forma geral.
Já no Piauí, o governo petista quer invadir residências para, supostamente, “proteger” os moradores do risco de contaminação. Não se sabe de nenhum outro lugar do mundo onde esse tipo de ação tenha sido adotado. Difícil entender também de onde viriam os riscos de contaminação. De tudo que se sabe, o coronavírus não rasteja por baixo de portas. Trata-se então de proteger pais de filhos? Avós de netos? Mais fácil imaginar o vírus sendo trazido para dentro das casas por agentes públicos truculentos ou despreparados. Os cidadãos não precisam desse tipo de proteção do Estado — uma “proteção” melhor chamada de arbítrio.
A ideia de desapropriar bens para propiciar “ações de combate” ao coronavírus, como a construção de hospitais de campanha, tampouco para de pé. Em tempos de normalidade, desapropriações são um processo longo e custoso — em geral requerem estudos, audiências públicas, e mesmo assim quase sempre vão parar na Justiça. Com uma canetada, Wellington Dias quer passar por cima de todas essas cautelas. É aquele tipo de iniciativa que desperta uma suspeita: será que o governador já tem em mente os bens que quer desapropriar? Se o decreto não for derrubado, Wellington Dias escolherá a dedo os cidadãos que vão arcar com as consequências de projetos que, provavelmente, poderiam ser melhor executados em construções do Estado, como ginásios ou escolas.
A epidemia do coronavírus impõe aos gestores públicos escolhas difíceis, que podem penalizar os cidadãos. O decreto de Wellington Dias tem outra natureza. É uma arbitrariedade lançada contra o Piauí.
POR CARLOS GRAIEB
Do R7