Ela está nas carreatas, comícios, caminhadas e nos paredões de som. Em uma mesma cidade, pode ser usada tanto por governistas, quanto pela oposição. E não importa se o candidato é de esquerda, de direita e ou de centro.
A indústria dos jingles pré-fabricados consagrou na campanha eleitoral de 2020 o seu primeiro hit: a música “O homem disparou”, composta pelo cantor e compositor piauiense César Araújo, 26.
A letra do jingle fala sobre o candidato que é “querido, atencioso e trouxe a liberdade para o povo” e que, por isso, disparou em popularidade entre os eleitores. Não há citação a qualquer nome ou número do candidato.
A música foi gravada em ritmo de pisadinha, variação do forró eletrônico mais acelerada e baseada em instrumentos como o teclado, que virou um fenômeno de popularidade no Nordeste nos últimos dois anos, quando bandas como a Barões da Pisadinha passaram a figurar entre as mais ouvidas do Brasil.
Em geral, este tipo de música é tocado nos paredões, festas cuja principal atração são os sistemas de caixas de som instalados em carros ou em seus reboques.
Foi exatamente nos paredões que “O homem disparou” ganhou espaço nas campanhas eleitorais, animando carreatas, caminhadas e comícios de candidatos em pequenas cidades.
A música viralizou de forma rápida em grupos de aplicativos de mensagens e em redes sociais na internet. Oficialmente, o jingle já foi adaptado para candidatos em 220 cidades. Mas o autor estima que número de versões pode ser até dez vezes maior, já que a maioria é feita sem autorização.
Natural da cidade de Pedro II (195 km de Teresina), César Araújo é músico profissional desde os 12 anos. Fez carreira tocando forró em cidades da sua região, tem composições autorais e, até então, nenhuma delas de sucesso.
A pedido de seu empresário, César compôs “O Homem disparou” em junho deste ano como jingle de Expedito de Souza, o Casa Grande (PT), candidato a prefeito da cidade vizinha Milton Brandão.
A música foi feita de forma despretensiosa, em meia hora, em cima da melodia da canção “Menina Pavorô”, da banda Forró Perfeito, que autorizou o seu uso no jingle após um acordo.
Como ainda não era período de campanha, o jingle foi composto sem referências ao nome e número do candidato, para evitar problemas com a Justiça Eleitoral.
“A letra não tem nada de muito particular. É baseada na história do candidato e tem algumas expressões que são bordões na nossa região”, afirma César.
A música ganhou as redes e grupos de WhatsApp. Cerca de um mês depois, César recebeu uma ligação do assessor de um candidato do interior do Rio Grande do Norte interessado em comprá-la. “Foi aí o que eu comecei a me dar conta que as coisas estavam ganhando uma proporção que nunca imaginei”.
Quando chegou a época das convenções, na segunda quinzena de agosto, uma avalanche de versões de “O homem disparou” ganhou as redes sociais.
Com o sucesso, César gravou um clipe em parceria com a banda pernambucana Vilões do Forró. De forma organizada, passou a vender versões do jingle cantadas por ele para candidatos em todo o país.
A maior demanda veio de candidatos em cidades do Nordeste, mas também houve versões para cidades do interior de São Paulo, Rio, Minas Gerais, Goiás, Pará e Acre. Uma segunda versão foi criada para candidaturas femininas, com o refrão que diz que ” a mulher disparou”.
A depender do ponto de vista, o jingle pode ser usado tanto para candidatos da situação, quanto da oposição. Em determinado momento, a música mira no discurso da continuidade e diz que “o trabalho continua”. Em outro trecho, no sentido contrário, fala em mudança.
No Youtube, é possível versões de diferentes candidatos. Em Casa Nova (BA), o prefeito e candiato à reeleição Wilker do Posto (PSB) adotou o jingle. Já em Campo Formoso, também no norte da Bahia, foi o candidato da oposição Elmo Vaz (DEM) que fez a sua versão.
Em Cadeirão Grande (BA), o prefeito e candidato à reeleição Candinho Guirra (PP) fez sucesso na internet ao arriscar uns passos da pisadinha junto com seu candidato a vice, Pedro Henrique (PL), em um ato de campanha.
Cada versão oficial de “O homem disparou” é vendida por R$ 3.000, preço acima dos padrões para jingles pré-fabricados. Neste mercado, os preços variam entre R$ 300 e R$ 800 para um jingle padrão e pode chegar a dez vezes mais no caso de uma canção inédita.
Este formato de jingle pré-fabricado tem ganhado espaço nas últimas eleições a partir do novo cenário eleitoral com teto de gastos mais baixo e restrição no financiamento empresarial de campanhas.
Em geral, as músicas são publicadas em sites ou redes sociais em formato demonstrativo, têm nomes e números fictícios de candidatos. Como numa prateleira de supermercado, o candidato escolhe a música de sua preferência e recebe a gravação com o seu nome e número em até 48 horas.
Na campanha eleitoral deste ano, além de “O homem disparou”, César Araújo compôs apenas mais um jingle inédito, sem o mesmo sucesso, para um candidato a vereador no Maranhão.
Caindo de paraquedas neste mercado, ele diz não ter como meta ganhar dinheiro com eleições. Quer mesmo é focar nos seus forrós do tipo pisadinha.
“Vou usar o jingle para ganhar visibilidade e investir o dinheiro na minha carreira. Tenho mais de 15 anos de trabalhos autorais para mostrar”, diz.