Mulheres perdem espaço na política do Piauí. “Efeito Dilma” é considerado uma das causas

Representando 51,54% dos eleitores no Piauí, as mulheres andaram longe de alcançar o mesmo patamar de representação nos cargos públicos em disputa nas eleições realizadas no último dia 2 de outubro. Do total de 224 cidades piauienses, apenas 21 delas, ou seja, 9,5% do total de cidades, terão uma mulher como prefeita. Além disso, cidades importantes como Floriano, Esperantina, Oeiras e Bom Jesus, não terão uma mulher como vereadora na próxima legislatura. Em Teresina, a participação feminina na bancada foi reduzida de seis para três vagas. Em União e São Raimundo Nonato, apenas uma vereadora em cada cidade foram eleitas. 

“O desastre que foi a administração de Dilma Rousseff – a primeira mulher a governar o País -, é também considerado por estudiosos como causa para diminuição da confiança no conceito político e administrativo da mulher na vida pública”

Para o pesquisador e cientista político Francisco Farias, da Universidade Federal do Piauí, isso está ligado a ascensão de forças conservadoras que aumentou nos últimos anos no Brasil, que possuem como origem a crise econômica mundial. Ele argumenta que o contexto atual, com um aumento do conservadorismo, atrapalha a eleição de mulheres para as funções públicas. 
“Eu penso que é reflexo de um momento conjuntural pelo qual o Brasil está passando. Na década de 90, a conjuntura mundial entrou num ciclo de restrição de políticas econômicas e sociais que resultou em prejuízos as bandeiras de minorias. Tudo isso levou para uma reorientação de forças políticas no país que culminou em 2002 com a vitória de partidos tidos progressistas, que ampliou a discussão dos direitos sociais, ampliou o apoio as minorias, inseriu secretarias e ministérios voltados para as mulheres. Mas a crise financeira nos EUA e na Alemanha pressionou os países a adotarem novamente o modelo do liberalismo econômico, notadamente conservador”, explica Francisco Farias, acrescentando que é neste contexto que pode ser compreendido uma redução da participação das mulheres tanto no parlamento, quanto no executivo. 

A integrante do Movimento Mulheres em Luta no Piauí, Letícia Campos, explica que a ideia de representação feminina na política não é apenas por uma questão meramente de gênero, mas sim, de luta pela ampliação da autonomia das mulheres para ocupar cargos de destaque na política e na sociedade. “É preciso deixar claro que não é apenas uma questão de gênero. Um exemplo foi o próprio governo Dilma Rousseff (PT), que apesar de ter uma mulher na Presidência da República, não teve reflexos na diminuição do machismo, não influenciou na melhoria da qualidade de vida das mulheres, na redução da violência contra a mulher, nem na geração de oportunidades para dar autonomia a elas”, citou a militante.

Vereadora teme a ausência de debate de assuntos de interesses das mulheres 

Em Teresina, das 29 vagas na Câmara Municipal, apenas três serão ocupadas por mulheres na próxima legislatura. Atualmente, o município conta com seis vereadoras, mas nas últimas eleições apenas três foram eleitas: Teresa Britto (PV), Cida Santiago (PHS) e Graça Amorim (PV). Rosário Bezerra (PT) não concorreu à reeleição. Já Teresinha Medeiros (PSL) e Celene Fernandes (PSDC) não conseguiram se reeleger. 

Para Teresa Britto (PV), o resultado é negativo porque influencia na ausência de debates de interesse das mulheres. “É perceptível que as parlamentares mulheres tem mais condições de pautar as discussões sobre a violência contra mulher, sobre a prevenção de doenças que atingem mulheres, mas infelizmente o abuso do poder econômico tem tirado cada vez mais as mulheres da política”, pontua a vereadora, acrescentando que um caminho é a promoção de políticas públicas para incentivar as mulheres votarem em mulheres. 

A professora Letícia Campos cita que o caminho está na estimulação e no apoio para que mulheres participem da política. Mas para isso, ela cita que é necessário dá autonomia para que as próprias mulheres consigam alcançar um bom desempenho na vida profissional e pessoal, e que dessa forma, a participação na política seria apenas uma consequência. “A própria Prefeitura de Teresina não considera o período de licença maternidade na hora da aposentadoria, ou seja, o próprio poder público faz com que uma questão natural atrapalhe a vida da mulher. E assim ela vai abrindo mão de muitos espaços por conta disso”, explica Letícia, acrescentando que a presença da mulher nas vagas de representação deve ser consequência do protagonismo das mulheres na vida particular de cada uma. 
Para o cientista político Cleber de Deus, a redução foi consequência do processo de renovação de nomes que a Câmara de Vereadores de Teresina passou nas últimas eleições. “Foi uma renovação de quase 50%, que atingiu homens e mulheres. Sem contar que uma vereadora atuante não quis concorrer à reeleição”, lembra ele.

No Piauí, mais de 800 candidatas tiveram menos que 10 votos nestas eleições 

Nas eleições do último dia 2, um fato chamou atenção: um terço das mulheres candidatas no Piauí tiveram no máximo 10 votos. Em todo o estado, eram 3.250 candidatas mulheres, e, segundo levantamento de O DIA junto ao Tribunal Superior Eleitoral, 813 tiveram no máximo 10 votos. Para os cientistas políticos Francisco Farias e Cléber de Deus, ambos da Universidade Federal do Piauí, o principal motivo é que essas mulheres foram candidatas apenas para cumprir a legislação que obriga um terço das candidatas de uma coligação serem do sexo feminino, sob pena da impugnação do registro de candidaturas.

Para o cientista Cleber de Deus, o resultado também está ligado a questão da falta de apoio das siglas à essas candidaturas. “Na verdade, independentemente de ser homem ou mulher, os partidos investem em quem tem chances de conquistar a vitória. O primeiro ponto é a obrigação de 30% de mulheres candidatas na coligação, para o registro legal, mas depois, o que leva em conta na hora de participar do apoio da cúpula partidária é a expressividade da campanha”, pontua o professor. Ele aponta ainda que é bastante complicado pensar em formas de solucionar esse problema, já que não é fácil tratar sobre cotas de vagas na Câmara. 

Já Francisco Farias lembra que essas votações acontecem principalmente em grandes siglas, onde historicamente os candidatos que possuem tradicionalmente as maiores votações são do sexo masculino. “Esse processo de renovação é lento. Tradicionalmente, na carreira política a faixa de candidatos com votações mais elevadas é composta por homens, políticos de carreira”, lembra ele. 

Letícia Campos cita que as cotas para registro de candidaturas na verdade é uma movimentação artificial. “Ela não traduz a articulação que as mulheres precisam fazer para alcançarem espaços públicos. É preciso bem mais que as cotas para registro de candidatura, é necessário políticas pú- blicas para que as mulheres possam se destacar na sociedade e consequentemente alcançarem oportunidades para serem eleitas”, diz Letícia, acrescentando que o machismo na sociedade é crucial para impedir que as mulheres ocupem espaços de destaque

Texto: João Magalhães – Jornal O Dia