A nanotecnologia tem beneficiado a saúde em inúmeros aspectos. Os tratamentos ficam cada vez mais eficientes, curtos e seguros; a toxidade das medicações é reduzida e os diagnósticos estão mais precisos, fáceis e rápidos. A ciência por trás disso abre espaço para a descoberta da cura de doenças que já haviam esgotado as possibilidades pela medicina tradicional. É exatamente esse o foco das pesquisas realizadas no Laboratório de Biofísica da Universidade Federal do Piauí, em Teresina.
Sob orientação do professor doutor Anderson Mendes, os alunos de graduação e pós-graduação se concentram em estudos voltados para a área da saúde, especialmente no que diz respeito a câncer, distrofia muscular e diabetes. Anderson ressalta que hoje existem medicamentos que atenuam algumas doenças, mas depois o paciente acaba morrendo. Outros fármacos são tão nocivos que, muitas vezes, as pessoas morrem por causa do efeito secundário, e outros são muito bons, mas têm baixo grau de dissolução. Esses são os problemas que a nanotecnologia busca resolver.
“Quando você utiliza materiais em escala nanométrica, você ultrapassa fronteiras fisiológicas do próprio corpo e tem um efeito muito melhor quando comparado aos tratamentos já existentes. Isso acontece porque o corpo tem sistemas de defesa que eliminam substâncias estranhas, inclusive fármacos, e os estudos mostram que, dependendo da situação, a nanotecnologia consegue diminuir o efeito prejudicial”, afirma o professor.
Algumas das pesquisas realizadas no Laboratório de Biofísica da UFPI já foram finalizadas e tiveram patente publicada, entre elas está uma da área de veterinária que pode solucionar, de forma simples, um grave problema de saúde pública.
Foto: Yasmim Cunha / Cidade Verde
Castração Química
Anderson, que é carioca, destaca que, quando chegou à universidade, há seis anos, o número de gatos e cachorros de rua lhe chamou atenção, e como ele estava dando aula na graduação de Veterinária, pensou em formas para amenizar o problema.
A pesquisa virou tema de mestrado da aluna Aurileide Frazão, e foi desenvolvida em parceria com o professor Welter Cantanhêde, da área da Química. “Isso é uma questão de saúde pública, de zoonoses. Cães e os gatos são vetores de uma série de doenças, como a leishmaniose [calazar] e a toxoplasmose. Nessa pesquisa, desenvolvemos uma forma de castração química, um processo que não é cirúrgico e que logo após a aplicação, você pode soltar o animal, não tem sutura, não precisa interná-lo. Além de reduzir os riscos de óbito, também reduz o risco de contaminação, que é bem maior nas ruas”, explica o professor.
Em resumo, a castração consiste em aplicar uma injeção comum nos testículos do animal, que reduzirá ou eliminará por completo a produção de espermatozoides. Mas antes de ficar tão simples, os cientistas desenvolveram uma nanopartícula na qual foi incorporada uma enzima extraída do mamão, a papaína, agregada a uma estrutura férrica contendo zinco.
“A papaína é capaz de quebrar proteínas. Na região produtora de espermatozoide, ela destrói as células. Porém, por si só, ela teria baixo efeito por causa do sistema de defesa do corpo, que a excretaria. Nos testes, no entanto, percebemos que, diferente da papaína pura, a nanopartícula é capaz de fugir do sistema de defesa porque não o ativa tanto “, esclarece o professor, acrescentando que o zinco foi associado à papaína por seu já conhecido efeito secundário, que inibe a atividade espermatogênica.
Após os testes in vitro, as injeções foram aplicadas em camundongos e tiveram sucesso comprovado – nenhum macho conseguiu engravidar as fêmeas na cópula. As análises histológicas posteriores confirmaram a inexistência de espermatozoide nos testículos. Houve esterilidade total. Já nos cães, após a primeira aplicação, as análises mostraram redução de 50% no número de espermatozoides.
“Isso indica uma alta taxa de sucesso. Ainda estamos consolidando os resultados da segunda aplicação, mas é possível que reduza para abaixo de 30%, o que entendemos como um grau de esterilidade”, completa Anderson.
Óleo contra melanoma
Outra pesquisa já finalizada no laboratório pode disponibilizar, no mercado farmacêutico, um medicamento de baixo custo, eficaz no tratamento do melanoma, que é um tipo de câncer de pele. A estimativa é que o remédio custe entre R$ 30 e R$ 40. Iniciado em 2015, o estudo foi a dissertação de mestrado do aluno Felipe Batista, também orientado por Anderson Mendes, em parceria com o professor de Farmacologia Ruan Carlos Gonçalves.
Eles desenvolveram uma nanopartícula contendo um óleo essencial (Alfa Terpineol), capaz de destruir algumas linhagens tumorais de melanomas que são bastante agressivas. O resultado da mortalidade dos tumores foi acima de 90% em algumas dosagens.
“A solubilidade do óleo não é tão alta e a atividade antitumoral também não. Mas, nos testes in vitro, quando a gente veiculou o óleo dentro da nanopartícula, a capacidade de matar, destruir algumas linhagens tumorais, foi altíssima, cerca de 50 a 60 vezes maior que o óleo puro”, afirma o biofísico. O baixo custo do possível medicamento se dá porque o Alfa Terpineol é um óleo barato. Um quilo custa, em média, R$ 800, enquanto 10 gramas de outros custam R$ 4 mil. Esse óleo é extraído de uma série de plantas comuns, como a Sálvia, que é usada na culinária. A proposta seria desenvolver um remédio para ser injeto no local ou até ser usado como pomada.
Distrofia muscular
Também está sendo desenvolvida, em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), uma pesquisa que traz esperança para pais e mães de crianças e adolescentes que apresentam Distrofia de Duchenne, que é uma doença genética e degenerativa, que não tem cura. Os bebês que têm o gene se desenvolvem normalmente até determinada idade, mas depois deixam de andar. O quadro se agrava até o comprometimento atingir toda a musculatura esquelética e surgirem problemas cardiorrespiratórios, levando o paciente ao óbito.
Em alguns casos, o sistema de defesa do corpo começa a atacar o músculo, gerando processos inflamatórios, o que causa a destruição do tecido muscular. Os tratamentos disponíveis hoje são paliativos e envolvem doses cavalares de corticoides, que têm como função reduzir a proliferação das células de defesa para diminuir o processo inflamatório.
“Mas, com o tempo, o organismo resiste e a doença progride. Além disso, existem várias complicações devido ao uso de corticoides. Eles não só incham, como também provocam sobrecarga hepática, neural e renal. A ideia da pesquisa é criar um sistema que seja capaz de bloquear o sistema imune, protegendo o sistema muscular e neuromuscular, e que seja menos agressivo que os corticoides”, destaca Anderson.
Seguindo esse objetivo, ele e a estudante de doutorado Lívia Filgueiras, da UFPI, juntamente com a pesquisadora Andrea Henriques, da Fiocruz, montaram uma nanopartícula capaz de liberar, controladamente, as substâncias que bloqueiam o sistema imune, de forma eficiente o bastante para não entrar na faixa subterapêutica, mas que também não seja tóxica.
Paralelamente, essa liberação controlada também enviaria substâncias para proteger os músculos de maneira mais eficiente. Os pesquisadores acreditam que o efeito prejudicial seria reduzido porque essas substâncias que estão sendo testadas são menos agressivas que os corticoides.
“São substâncias naturais, derivadas de plantas, junto com outras que são produzidas pelo corpo humano, em pequena escala, em situações específicas. Como estamos em fase de desenvolvimento, não podemos dar detalhes, mas os testes preliminares mostraram que, nos modelos animais, é possível reduzir a evolução do quadro clínico da distrofia. Em alguns casos, poderia até silenciar a doença. Não dá para afirmar, mas essa é a hipótese”, frisa o professor. Em resumo, uma criança com Distrofia de Duchenne, que iniciasse o tratamento com a nanopartícula teria maior taxa de sobrevida e melhor qualidade de vida, com redução expressiva da morbidade e da mortalidade.
Obstáculos pelo caminho
Todas essas pesquisas esbarram nas mesmas dificuldades: a falta de recursos para continuar os testes e de parcerias para comercializar os medicamentos. Segundo os pesquisadores, ainda há muito para avançar, mas os contínuos cortes de despesas têm impedido a compra dos equipamentos e reagentes necessários para trabalhar com animais, no caso do óleo que destrói o câncer de pele, por exemplo.
“Se tivéssemos um parceiro privado, poderíamos ir a um patamar maior com todos esses projetos. No caso do óleo essencial, faltam reagentes específicos para trabalhar com modelos in vivo, que são caros, mas se a gente prova que esse trabalho dá certo, teria um medicamento que custaria entre R$ 30 e R$ 40. A universidade permite a coparticipação e estamos buscando essa saída para evoluir nesses estudos”, finaliza Anderson Mendes.
Enquanto o dinheiro não vem, professores e alunos fazem o possível e o impossível para manter as pesquisas e provam que o Piauí é também um celeiro de mentes brilhantes.
(*) Jordana Cury, Cidade Verde